"A maioria dos deuses joga dados, mas o Destino joga xadrez, e você não descobre até que seja tarde demais que ele estava jogando com duas rainhas o tempo todo." (Terry Pratchett)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

carta a este dia perfeito

Querido Dia,

Por que foste tão frio comigo hoje? Teu olhar reluzente mal tinha aquecido minha pele quando se tornou nublado. Mas não te preocupes, não precisas de perdão. A decisão de sair debaixo das cobertas para te encarar foi minha e, graças a Gan, não me arrependo.

Pois dia, tu foste tão bom comigo, apesar do teu mal humor. E não pestanejes! Sei que sempre me fazes rir, mas dar gargalhadas de doerem os ossos? Eu gostaria de lhe contar resumidamente, fazendo uma compilação dos melhores momentos, mas o momento durou 24 horas.

Começou com o nada, naturalmente. Este nada só tinha lugar: minha cama e suas inseparáveis cobertas, travesseiros e ursinhos. E se o nada pode ser alguma dessas coisas, ele era bom e escuro, sem sonhos. De fato, as coisas boas não duram para sempre (and we both know hearts can change) e logo me levantei para ir para escola.

Quando chego lá, a primeira coisa que me dizem é:

"Que 'cê tá fazendo aqui? Não veio ninguém!".

Caro Dia, foi uma professora ligeiramente rica quem me disse isso. Mas sem problemas. O ninguém incluia outras quatro guerreiras. Vi o final de "Shall We Dance" com elas, um pote de brigadeiro e risos.

Também recebi abraços espontâneos de um garoto estranho que deu muitos gritinhos histéricos ao ver o estêncil de um rockstar drogado com jaqueta de couro, óculos escuros e cartola. Meninos ligeiramente interessantes como ele só são interessante porque tem interesses bem específicos, é o que sempre digo.

Saí  da escola acompanhada por ele, por sua tão amada amiga, e por seus violões.

 Eles precisavam de ajuda com o violão e começaram a imaginar como seria perfeito se encontrássemos um senhor sábio e habilidoso com instrumentos para nos socorrer, como num filme. Me fizeram lembrar de uma cena mágica em "O Talismã", do Stephen King. Jack Sawyer, em frangalhos, encontra um senhor negro no estacionamento do shopping. Se chamava Bola de Neve e tocava blues com sua guitarra. Há um diálogo em que o Jack chora muito por carregar o mundo nas costas. Um pouco engraçado lembrar desse capítulo, porque ele não parecia especial.

Porém, enquanto tocavam Natasha, este mesmo Bola de Neve, Dia, surgiu na nossa frente pedindo:

"Posso tocar uma música?"

Nós três trocamos olhares até que o garoto sorriu como uma criança, do jeito que ele sempre faz, e disse:

"É claro", lhe entregando o violão.

Sentado no chão da praça em frente a prefeitura, ele tocou "Aquarela".
            "E o futuro é uma astronave/ Que tentamos pilotar/ Não tem tempo, nem piedade/ Nem tem hora de chegar/ Sem pedir licença/ Muda a nossa vida/ E depois convida/ A rir ou chorar..."

O sorriso que despontou em meus lábios só desapareceu com a música. Eu só pensava na beleza disforme do mundo.

  Mais tarde, quando eu imaginava qual seria o nome do misterioso músico, choraste. E quando escureceu, continuavas chorando. Choraste como uma criancinha que perdeu seu brinquedo favorito. Eu não sabia o que fazer contigo, mas como sei que queres sempre meu bem, saí de casa novamente.

Encontrei as pessoas que tu mesmo me enviaste, diretamente do céu. Foi com elas que ri e comi pizza. Porque quando és frio comigo, Dia, meu consolo é calor humano e pizza quente. E, no final, um livro.

Carinhosamente,
de uma amiga que lhe dá valor.

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